terça-feira, 1 de novembro de 2016

CHERNOBYL: 30 ANOS DO PIOR ACIDENTE NUCLEAR DA HISTÓRIA

Jerzy Wierzbicki
Trinta anos depois da explosão de um de seus reatores, em 26 de abril de 1986, uma zona de exclusão ainda vigora ao redor da usina nuclear de Chernobyl, na Ucrânia - então, uma das repúblicas da antiga União Soviética.
O fotógrafo polonês Jerzy Wierzbicki visitou o local, acompanhado por dois guias - ambos antigos empregados da usina.
A explosão causou um incêndio que durou 10 dias e lançou imensas quantidades de material radioativo no meio ambiente da região, bem como por extensas áreas da Europa, especialmente Ucrânia, Belarus e Rússia. A área em volta da usina foi evacuada, e a zona de exclusão, que se estende por um raio de 30 km, é patrulhada por policiais armados com fuzis AK-47.
Na verdade, a região nunca foi totalmente evacuada. As regras de exclusão variam de acordo com os níveis de radiação. A usina, fechada em 2000, não tem residentes oficiais. Trabalhadores envolvidos na desativação da usina e na descontaminação da área têm permissão para morar na cidade de Chernobyl, a uma distância de 15 km da usina, mas ainda assim há um limite para o número de semanas consecutivas que podem passar no local.
Um pouco mais longe, Ivan e Maria Semeniuk estão jantando em sua casa, no vilarejo de Parishev, a 20 km da usina. Quando houve o acidente, eles foram evacuados, e as autoridades disseram que poderiam voltar três dias depois.
Jerzy Wierzbicki
Mas o casal desconfiou do prazo. Colocou alguns pertences em seu velho carro e dirigiu para outro vilarejo, Borodianka. Lá, foram lavados com água fria pela polícia militar e Ivan foi informado que passaria a trabalhar como operário na construção civil.
Dois anos mais tarde, ele e Maria voltaram a Parishev e lá ficaram desde então, apesar de estarem dentro da zona de exclusão. O vilarejo e a floresta em volta têm alguns outros moradores, mas a área é majoritariamente vazia.
Visitantes à zona de exclusão podem medir mudanças nos níveis de radiação com um dosímetro. Na casa de Ivan e Maria, 30 anos depois, a leitura é bem baixa, aquém do limite da leitura de exposição a radiação considerada perigosa.
A média dos níveis de radiação na zona de exclusão varia entre 0,9 microsieverts por hora e 2,5 microsieverts nas áreas mais próximas à usina. Em áreas onde grandes leituras são registradas, como os 214,2 microsieverts da foto acima, é perigoso mesmo permanecer no local por alguns minutos.
Jerzy Wierzbicki
O dosímetro registrou essa leitura perto da cidade de Pripyat, hoje abandonada, próximo a equipamento usado nas operações de emergência em 1986.
Entre os detritos estão a maioria dos veículos e máquinas que participaram dos esforços de contenção do acidente nuclear no Reator 4.
Pripyat é uma cidade fantasma, a 4 km da usina. Construída em 1970 especialmente para funcionários e suas famílias, ainda nos tempos em que a Ucrânia ainda era parte da extinta União Soviética. Tinha capacidade para 50 mil pessoas. Os residentes foram evacuados em uma operação maciça, 36 horas depois da explosão.
Jerzy Wierzbicki
O teto da casamata do Reator 4 explodiu por volta de 01h30 da manhã em 26 de abril de 1986 e Pripyat permanece do jeito que estava. O consultório médico, no Centro Médico 26, completo com vidros de remédios e vacinas, está deserto.
No jardim de infância Pequeno Urso, carteiras e cadeiras estão amontoadas e brinquedos abandonados jazem cobertos de poeira.
Antes da evacuação, residentes não tinham sido informados do desastre nuclear. No total, 116 mil pessoas tiveram que deixar Pripyat às pressas.
No chão de um dos apartamentos há uma foto em preto e branco do ex-líder soviético Vladimir Lênin. É outro sinal de um mundo que desapareceu décadas atrás.
Jerzy Wierzbicki
Pripyat era uma típica cidade soviética, repleta de edifícios de concreto uniformes, pouca vegetação e estradas ruins. A foto acima é a visão do 15º andar do mais alto conjunto habitacional.
Sem pessoas, a floresta vizinha gradativamente invadiu as ruas e o espaço entre os edifícios. Os únicos moradores agora são animais selvagens, cujos números cresceram dramaticamente. Observadores falam do retorno de espécies que eram consideradas extintas.
Jerzy Wierzbicki
Uma grande instalação militar foi construída na região, como parte dos esforços de proteção da usina. Seu símbolo é a antena de radar Duga-3. Mas a base foi fechada três anos após o acidente.
Jerzy Wierzbicki
Coletar objetos na zona de exclusão é expressamente proibido, em especial as máscaras de gás usadas pelos trabalhadores conhecidos como liquidatários - que trabalharam nas operações de resgate. Estima-se que 600 mil pessoas foram recrutadas para ajudar a apagar o incêndio e limpar a área.
Jerzy Wierzbicki
De acordo com um relatório da Organização Mundial de Saúde publicado em 2005, 4 mil pessoas morreram em decorrência do acidente. O governo ucraniano estima que apenas 5% dos membros de equipes de resgate e limpeza ainda vivos estão saudáveis.
Pessoas trabalhando na usina precisam ser checadas regularmente em estações de medição de radiação. E não têm permissão para por coisa alguma no chão.
O Reator Quatro encontra-se coberto por um "sarcófago" feito de concreto e aço, que se encontra em estado ruim. Um consórcio internacional espera substituí-lo no ano que vem.
Quando o novo domo, orçado em US$ 2,2 bilhões, for instalado, terão início os trabalhos de remoção da antiga estrutura e de entulho.

FONTE: BBC BRASIL

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

NATAL TEM MAIOR AUMENTO DE HOMICÍDIOS ENTRE AS CAPITAIS BRASILEIRAS

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Natal foi a cidade que registrou a maior elevação no número de mortes violentas em todo o Brasil. De acordo com o 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o número de assassinatos a cada grupo de 100 mil habitantes subiu na capital potiguar de 39,8 para 78,4, em comparação com os anos de 2014 e 2015. No Rio Grande do Norte, a taxa de Mortes Violentas Intencionais (MVI) subiu de 34,9, em 2014 para 48,6 em 2015, sendo o terceiro estado mais violento do país. À frente do RN estão Sergipe, com taxa de 57,3, e Alagoas, com 50,8 mortes para cada grupo de 100 mil. Em números absolutos, o RN saltou de 1.190 mortes em 2014 para 1.672 no ano passado. Houve também um aumento no número de latrocínio, que é o roubo seguido de morte. Em 2014, o estado registrou 20 mortes com essa motivação, número que se elevou para 51 em 2015. O diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, responsável pelo estudo, disse que essa elevação é reflexo da ausência de programas para reduzir homicídios. “Os estados em que as mortes crescem, com exceção de Pernambuco, são os que não têm programa de redução de homicídios. Você percebe que quando há política pública, quando você prioriza o problema, são conseguidos alguns resultados positivos”, disse. As unidades da Federação que mais aumentaram o número de mortes violentas foram o Rio Grande do Norte (elevação de 39,1%), Amazonas (19,6%), e Sergipe (18,2%). Os que mais diminuíram foram Alagoas (queda de 20,8%), o Distrito Federal (-13%), e o Rio de Janeiro (-12,9%). Mortes no Brasil O Brasil registrou mais mortes violentas de 2011 a 2015 do que a Síria, país em guerra, em igual período. Foram 278.839 ocorrências de homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenção policial no Brasil, de janeiro de 2011 a dezembro de 2015, frente a 256.124 mortes violentas na Síria, entre março de 2011 a dezembro de 2015, de acordo com o Observatório de Direitos Humanos da Síria. Apenas em 2015, foram mortos violentamente e intencionalmente 58.383 brasileiros, resultado que representa uma pessoa assassinada no país a cada 9 minutos, ou cerca de 160 mortos por dia. Foram 28,6 pessoas vítimas a cada grupo de 100 mil brasileiros. No entanto, em comparação a 2014 (59.086), o número de mortes violentas sofreu redução de 1,2%. “A retração de 1,2% não deixa de ser uma retração, mas em um patamar muito elevado, é uma oscilação natural, de um número tão elevado assim”, ressaltou Lima. Das 58.383 mortes violentas no Brasil em 2015, 52.570 foram causadas por homicídios (queda de 1,7% em relação a 2014); 2.307 por latrocínios (aumento de 7,8%); 761 por lesão corporal seguida de morte (diminuição de 20,2%) e 3.345 por intervenção policial (elevação de 6,3%).

FONTE: PORTAL NOMINUTO

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

TRUMP E O RETORNO DO POLITICAMENTE INCORRETO

Donald Trump e o politicamente incorreto Zizek

Alguns meses atrás, o empresário e pré-candidato Republicano à presidência dos EUA Donald Trump foi carinhosamente comparado a um sujeito que defeca barulhentamente no canto de uma sala durante um respeitável coquetel formal. Mas será que os demais candidatos Republicanos à presidência dos EUA são substancialmente melhores?
Todos lembramos da infame cena do filme O fantasma da liberdade, dirigido por Luis Buñuel, em que as relações entre comer e excretar sao invertidas: as pessoas se sentam à volta da mesa em suas privadas conversando normalmente, e quando sentem fome, discretamente se dirigem ao mordomo – “Por favor, onde fica aquele lugar de…?” – e se escapolem para um quartinho nos fundos para comer.
Pois bem, não seriam os debates dos candidatos Republicanos – para prolongar a metáfora – muito semelhantes a essa reunião do filme de Buñuel? E o mesmo não valeria também para muitos dos principais políticos no mundo hoje? Erdoğan não estava também defecando em público quando, num recente estouro de paranoia, taxou os críticos a sua política em relação Curdos como traidores e agentes estrangeiros? E Putin não estava também defecando em público quando (em um ato calculado de vulgaridade pública que visava elevar sua popularidade em casa) ameaçou um crítico de suas políticas para a Chechênia de castração química? E, por fim, não estava Sarkozy também defecando em público quando, lá em 2008, estourou com um fazendeiro que se recusou a apertar sua mão – “Casse-toi, alors pauvre con!” (uma tradução generosa seria algo como “Então sai fora, seu idiota!”, mas seu real significado é muito mais grosseiro) –?
E a lista continua… Em um discurso no Congresso Sionista Mundial em Jerusalém, no dia 21 de outubro de 2015, o primeiro ministro de Israel Benjamin Netanyahu sugeriu que Hitler só queria expulsar os judeus da Alemanha, e não exterminá-los, para defender que, na verdade, teria sido Haj Amin al-Husseini, o mufti palestino de Jerusalem, que teria de alguma forma persuadido o Führer a realmente matá-los.
Netanyahu então narrou um suposto encontro entre as duas figuras, datado de novembro de 1941, em que al-Husseini teria dito que se Hitler expulsasse os judeus da Europa “eles viriam todos para aqui [para a Palestina]”. Segundo Netanyahu, o Führer alemão teria retrucado, “Então o que você sugere que eu faça com eles?”, ao que o mufti teria respondido, “Queime-os”. Os principais pesquisadores israelenses do Holocausto imediatamente problematizaram essas afirmações, assinalando que a conversa entre al-Husseini e Hitler não pode ser comprovada, e que o genocídio dos judeus europeus pelas unidades móveis da SS já estava sendo levada a cabo há um bom tempo, antes do suposto momento em que os dois teriam se reunido em pessoa.
Por isso, não devemos nos iludir quanto ao verdadeiro significado de afirmações como essas de Netanyahu: trata-se de um claro sinal da regressão de nossa esfera pública. Acusações e ideias que estavam até agora confinadas ao obscuro submundo da obscenidade racista e do lamaçal xenofóbico estão agora ganhando respaldo nos discursos oficiais.
O problema aqui está no que Hegel chamou de Sittlichkeit: a eticidade dos costumes, o espesso pano de fundo de regras (não ditas) da vida social, a densa e impenetrável substância ética que nos diz o que podemos ou não fazer. Essas regras estão desintegrando hoje: o que era simplesmente indizível em um debate público algumas décadas atrás pode agora ser proferido com absoluta impunidade.
Pode parecer que essa desintegração está sendo relativamente contraposta pelo crescimento do “politicamente correto”, que prescreve exatamente o que pode e não pode ser dito; no entanto, um olhar mais atento imediatamente revela como a regulação dita “politicamente correta” participa do mesmo processo de desintegração da substância ética. Para demostrar esse ponto, basta retomar o impasse do politicamente correto: a necessidade de regras “politicamente corretas” surge quando os valores não ditos de uma sociedade não são mais capazes de regular efetivamente as interações cotidianas – no lugar de costumes consolidados seguidos de forma espontânea, ficamos com regras explícitas (“negro” se torna “afro-americano”, “favela” se torna “comunidade”, um ato de “tortura” passa a ser denominado oficialmente de “técnica aprimorada de interrogação”… de tal forma que “estupro” poderia muito bem passar a ser chamado de “técnica aprimorada de sedução”). O ponto fundamental é que a tortura – um ato de violência brutal praticada pelo Estado – passa a ser tornada publicamente aceitável a partir do momento em que a linguagem pública se verte ao politicamente correto para proteger as vítimas da violência simbólica. Os dois fenômenos são lados da mesma moeda.
Podemos identificar um fenômeno semelhante em outros domínios da vida pública. Quando se noticiou que, de julho a setembro de 2015, o “Jade Helm 15” – uma série de exercícios militares estadunidenses – ocorreria no sudoeste dos EUA, imediatamente começaram a pipocar alegações conspiratórias. Levantou-se a suspeita de que os exercícios integravam uma grande trama do governo federal para submeter o estado do Texas à lei marcial, num ato de violação direta da Constituição. Encontramos todos os suspeitos usuais participando dessa paranoia conspiratória – até o ator Chuck Norris se pronunciou! Mas o mais maluco de todos certamente é o que lemos no site All News Pipeline, que associou esses exercícios ao fechamento de uma série de megalojas da Wal-Mart no Texas: “Serão esses enormes galpões usados como ‘centros de distribuição alimentar’ e abrigar o QG das tropas chinesas invasoras, que desembarcariam aqui visando desarmar os americanos um a um, como prometeu Michelle Obama, antes de Obama deixar a Casa Branca?” Mas o que deixa o caso realmente sinistro é a reação ambígua da própria oficialidade política republicana texana: o Governador Greg Abbott mobilizou a Guarda do Estado para monitorar o exercício e Ted Cruz exigiu detalhes ao Pentágono.
Donald Trump é a expressão mais pura dessa tendência de aviltamento de nossa vida pública. Veja: o que Trump faz para “roubar a cena” nos debates públicos e nas entrevistas? Ele oferece uma salada de vulgaridades “politicamente incorretas”: estocadas racistas (contra imigrantes mexicanos), alimenta suspeitas sobre o local de nascimento de Obama e sobre seu diploma universitário, profere ataques de extremo mal gosto contra as mulheres e não poupa ofensas a heróis de guerra como John McCain.
Essas tiradas grosseiras funcionam para indicar que Trump não está nem aí para os falsos costumes, que ele pode dizer “abertamente o que ele (e muitas pessoas comuns) pensam.” Ou seja, ele deixa claro que, apesar de ser um empresário bilionário, ele é também um sujeito ordinário e vulgar assim como nós, pessoas comuns.
No entanto, essas vulgaridades não devem nos iludir: o que quer que Trump possa ser, ele não  um perigoso elemento externo. Na verdade, seu programa é até relativamente moderado (ele reconhece muitas das conquistas democráticas, e sua posição em relação ao casamento gay é ambíguo). A função de suas provocações “refrescantes” e estouros vulgares é precisamente a de mascarar a incontornável ordinariedade de seu programa.
Seu verdadeiro segredo é de que se, por algum milagre, ele ganhar, nada vai mudar – em constraste com Bernie Sanders, o candidato democrata de esquerda cuja principal vantagem sobre a esquerda liberal, politicamente correta, é que ele compreende e respeita os problemas e os medos dos trabalhadores e fazendeiros comuns. O duelo eleitoral realmente interessante seria aquele entre Trump como candidato Republicano contra Sanders como candidato Democrata.
Mas por que falar de educação, polidez e modos em público hoje, num momento em que estaríamos diante de problemas muito mais urgentes e “reais”? Bem, porque os modos importam sim – em situações tensas, são uma questão de vida ou morte, uma linha tênue que separa a barbárie da civilização. Há um fato surpreendente sobre os mais recentes estouros de vulgaridade pública que merece ser ressaltado. Em 1960, vulgaridades ocasionais eram associadas à esquerda política: revolucionários estudantis muitas vezes usavam linguagem comum para enfatizar sua distância da política oficial, com seus jargões polidos. Hoje, a linguagem vulgar é praticamente apanágio exclusivo da extrema direita. De forma que a esquerda se vê na espantosa posição de defensora da decência e dos modos públicos.
É por isso que a direita Republicana “racional” e moderada está em pânico: depois do declínio das fortunas de Jeb Bush, ela está desesperadamente em busca de uma nova cara, brincando até com a ideia de apelar para a figura do Bloomberg.
Mas a verdadeira lição a ser registrada aqui é a seguinte: o real problema está na própria fragilidade da posição moderada “racional”. Porque o fato é que o discurso capitalista “racional” já não convence mais a maioria da população, que está em verdade muito mais propensa a endossar uma posição populista anti-elitista. E isso não deve ser descartado como um mero caso de primitivismo das classes baixas: os populistas corretamente detectam a irracionalidade dessa abordagem racional; sua ira contra as instituições anônimas que regulam suas vidas de forma intransparente é, nesse sentido, completamente justificada.

Slavoj Žižek

Slavoj Žižek nasceu na cidade de Liubliana, Eslovênia, em 1949. É filósofo, psicanalista e um dos principais teóricos contemporâneos. Transita por diversas áreas do conhecimento e, sob influência principalmente de Karl Marx e Jacques Lacan, efetua uma inovadora crítica cultural e política da pós-modernidade. Professor da European Graduate School e do Instituto de Sociologia da Universidade de Liubliana, Žižek preside a Society for Theoretical Psychoanalysis, de Liubliana, e é um dos diretores do centro de humanidades da University of London. Dele, a Boitempo publicou Bem-vindo ao deserto do Real! (2003), Às portas da revolução (escritos de Lenin de 1917) (2005), A visão em paralaxe (2008), Lacrimae rerum (2009), Em defesa das causas perdidasPrimeiro como tragédia, depois como farsa (ambos de 2011), Vivendo no fim dos tempos (2012), O ano em que sonhamos perigosamente (2012), Menos que nada (2013), Violência (2014) e o mais recente O absoluto frágil (2015). Colabora com o Blog da Boitempo esporadicamente.

CÂMARA APROVA PEC 241 EM SEGUNDO TURNO

O plenário da Câmara dos Deputados concluiu na madrugada desta quarta-feira (26), após cerca de 14 horas de sessão, a análise em segundo turno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que limita os gastos públicos pelos próximos 20 anos.

Aprovado pela Câmara, o texto seguirá, agora, para análise no Senado, onde a expectativa é de votação em 13 de dezembro.

Na noite desta terça (25), o texto-base da PEC já havia sido aprovado pelos deputados, por 359 votos a 116, mas ainda faltava a análise de seis destaques (sugestões de alteração ao texto original). Essas sugestões, contudo, foram todas rejeitadas.

Por se tratar de uma alteração na Constituição, a proposta precisava ser aprovada por pelo menos três quintos dos deputados (308 dos 513).

No primeiro turno, a PEC foi aprovada com o apoio de 366 parlamentares, enquanto 111 haviam se posicionado contra o texto.

A proposta é considerada pelo governo do presidente Michel Temer um dos principais mecanismos para reequilibrar as contas públicas do país.

O texto estabelece que as despesas da União (Executivo, Legislativo e Judiciário) só poderão crescer conforme a inflação do ano anterior.

A regra valerá pelos próximos 20 anos, mas, a partir do décimo ano, o presidente da República poderá propor uma nova base de cálculo ao Congresso.

Em caso de descumprimento do teto, a PEC estabelece uma série de vedações, como a proibição de realizar concursos públicos ou conceder aumento para qualquer agente público.

Inicialmente, o texto estabelecia que os investimentos em saúde e em educação deveriam seguir as mesmas regras. Diante da repercussão negativa e da pressão de parlamentares, inclusive da base aliada, o Palácio do Planalto decidiu que essas duas áreas deverão obedecer ao limite somente em 2018.

Sessão
Ao longo de toda a sessão destinada à análise da PEC em segundo turno, a oposição apresentou uma série de requerimentos. O recurso é previsto no regimento, mas, no jargão legislativo, é chamado de obstrução porque, na prática, atrasa a análise de um determinado projeto.

Ainda na noite de terça, da galeria do plenário, manifestantes gritavam a todo instante palavras de ordem contra a PEC.

Em razão da manifestação dessas pessoas, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), chegou a suspender a sessão por alguns minutos para que eles fossem retirados do local.

Neste instante, alguns deputados do PT subiram até a galeria para dar apoio ao grupo. Os seguranças também foram até a galeria, mas os manifestantes não saíram do lugar.

Diante do impasse, o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) propôs ao plenário um "pacto" para que o público pudesse continuar acompanhando a sessão, desde que fosse em silêncio. "São jovens na sua maioria e que também estão aqui de boa fé", defendeu.

Rodrigo Maia, então, reconsiderou a decisão, desde que os manifestantes se mantivessem calados.

"Eu tento ser o mais democrático possível, mas tento ser de forma equilibrada. De forma sistemática, eu vou cedendo e, de forma sistemática, as galerias vão desrespeitando. Uma palma, uma vaia não é problema. Agora, palavras de efeito não dá", afirmou.

Pouco antes de proclamar o resultado da votação do texto-base, antes do início da análise dos destaques, Rodrigo Maia determinou a retirada dos manifestantes.

Bate-boca na madrugada
Já na madrugada desta quarta, pouco depois da 1h30, houve um bate-boca entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e deputados do PT.

Com o dedo em riste, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) contestou Rodrigo Maia após o deputado do DEM fazer críticas sobre a uma questão de ordem apresentada pela deputada Erika Kokay (PT-DF).

Diante da reação de Teixeira, Maia disse: "Não precisa apontar o seu dedo. Eu não tenho medo do seu dedo. O senhor pode colocar o dedo onde vossa excelência quiser".

Os ânimos se acirraram porque toda vez que um parlamentar da oposição subia na tribuna para discursar, deputados governistas começam uma contagem regressiva até que o tempo de fala esgotasse.

A deputada Erika Kokay, um dos alvos da provocação, apresentou uma questão de ordem pedindo que Maia interviesse quando isso acontecesse. O presidente da Câmara, porém, questionou por que ela não havia se incomodado com o barulho vindo da galeria, que resultou na retirada dos manifestantes que acompanhavam a sessão.

Foi aí que Teixeira saiu em defesa de Kokay e disse que ele deveria "se comportar como presidente dessa Casa".

Depois, Maia baixou o tom e disse que dava razão a Teixeira. "Espero que a base e a oposição respeitem o orador que estiver na tribuna", disse.

Discursos
Na tribuna da Câmara, parlamentares da base de apoio ao governo do presidente Michel Temer fizeram elogios à proposta, enquanto deputados de oposição criticaram a PEC.

"Se a PEC não for aprovada, o colapso fiscal vai se instalar no país", afirmou, por exemplo, o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), relator da proposta.

Líder da Rede, o deputado Alessandro Molon (RJ), por outro lado, classificou a PEC 241 de "cruel e perversa". "Aprovar essa PEC significa cortar investimentos, sobretudo na área social. Quem diz que não vai cortar investimentos em saúde e educação é porque não leu a PEC", argumentou.

FONTE: G1

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

O EXÉRCITO DE CRIANÇAS DO ESTADO ISLÂMICO

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O medo dele é quase palpável. O menino de 15 anos, flagrado usando um cinto de explosivos do lado de fora de uma mesquita xiita na cidade iraquiana de Kirkuk, chora silenciosamente, enquanto dois policiais prendem seus braços, para evitar que ele detone a bomba.
Em agosto, o "Estado Islâmico" (EI) o havia enviado a Kirkuk, assim como a outro menino de sua idade, que conseguiu se explodir minutos antes em outra mesquita xiita. O grupo ultimamente tem intensificado o uso de crianças em atentados suicidas.
Dias após o menino em Kirkuk ter sido pego, quatro adolescentes realizaram um ataque na cidade xiita iraquiana de Karbala. Em março, outro rapaz fez o mesmo durante uma partida de futebol amador no sul do Iraque.
Recentemente, adolescentes também foram usados em filmagem de propaganda mostrando a execução de cinco curdos capturados na Síria. Vestidos com uniformes, um jovem curdo e quatro filhos de combatentes estrangeiros – um britânico, um egípcio, um tunisiano e um uzbeque – executaram os presos com suas pistolas.
Vídeos de treinamento do EI incluindo crianças já apareceram antes. Milhares de meninos – filhos de combatentes e de simpatizantes iraquianos e sírios locais, assim como meninos sequestrados da minoria yazidi – foram testados em campos de treinamento do EI nos últimos dois anos, para serem educados como "mascotes do Califado".
Como o grupo trabalha para transformar as crianças em armas letais é uma história que gira principalmente em torno do medo, como testemunham adolescentes que conseguiram escapar.
Ahmed e Amir Amin, de 16 e 15 anos, passaram três meses no circuito de formação do EI, depois que foram sequestrados da região yazidi de Sinjar. Mesmo que tenha se passado um ano desde que eles conseguiram fugir e embora eles agora vivam com parentes em um acampamento na região curda do Iraque, ainda sofrem com pesadelos.

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Eles foram inicialmente instruídos a aprender o Corão de cor e a rezar. "Se você errava, eles batiam em você com cabos", diz Ahmed. Os cabos são usados para todo tipo de punição: quando foi denunciado por outros meninos por esconder o celular com que ligava para sua família, ele recebeu 250 chibatadas. "Minhas costas e peito ficaram feridos e inchados", conta.

Adel Jalal, de 13 anos, que esteve com seu irmão Asse, de 11, durante nove meses em um grupo de rapazes mais jovens, diz que os combatentes do EI ameaçaram matá-los. Ele se lembra de como alguns rapazes que tinham cometido erros foram retirados do lugar. "Então, ouvimos tiros. Estávamos com muito com medo. Nós não os vimos depois disso", conta.
Ao mesmo tempo, as crianças eram ensinadas que a violência é algo muito normal. Todas as manhãs, tinham que assistira  vídeos de decapitações a faca e assassinatos. "As primeiras vezes que eu os vi, fiquei com muito medo", diz Amir. "Eu me perguntava como eu poderia matar alguém daquela maneira. Eles nos disseram que tínhamos que matar yazidis e infiéis daquela forma", recorda Ahmed.
Os meninos contam que foram se acostumando com os vídeos, embora Ahmed diga que muitas vezes não conseguia dormir, pois ficava vendo as imagens quando fechava os olhos:
"Para eles, é normal matar pessoas. Eles diziam 'vocês têm que aprender isso, porque nós vamos levá-los para outro país árabe e vocês vão ter que cortar cabeças. Como muçulmano, vocês têm que matar os infiéis'."
De acordo com Ayad Ajaj, que lidera a ONG Mitram, de ajuda aos yazidis na cidade curda de Duhok, esses vídeos são apenas a primeira fase no processo para fazer as crianças cometerem violência.
Ele conversou com 16 meninos yazidis que escaparam dos campos de treinamento, e eles contaram a ele que, após os vídeos, eles recebiam uma boneca para praticar decapitações. Uma imagem de uma boneca similar vestindo um macacão laranja foi postada na internet por um pai preocupado, há mais de um ano.
No entanto, os quatro rapazes não confirmam esta prática, nem a próxima fase, que Ajaj ilustra com outra imagem. Ela mostra um grupo de meninos; um está segurando, pelo cabelo, uma cabeça cortada. "Pelo menos cinco meninos me contaram que tiveram que assistir alguém sendo decapitado diante de seus olhos", diz Ajaj.
Todos foram instruídos sobre como vestir cintos de explosivos costurados em tecido branco e usados ao redor da cintura. "Eles nos disseram como usá-los e como nós os fazermos explodir", diz Adel. "Eles nos colocaram e nos levaram em um carro a algum lugar, onde nós caminhamos nas ruas."
Era claro desde o início que eles não podiam recusar, segundo os meninos. "Pode ser que eles nos matassem e pegassem outro menino", diz Adel.
Para recrutas mais velhos, as 72 virgens no paraíso são um incentivo importante. Para os meninos mais jovens, outras promessas tinham que ser inventadas – como um palácio de ouro no céu. "Eles diziam que a terra não é nada e que ele seria feliz no paraíso", relata Ajaj.
Os meninos contam que tinham de tomar drogas para acelerar o processo. O chefe de polícia de Kirkuk, Sarhad Qadir, diz que o menino que foi apanhado com o cinto de explosivos parecia "drogado e reagiu de forma estranha".
Alguns meninos yazidis que escaparam disseram à revista alemã Der Spiegel que eles recebiam pílulas para tornar mais fácil suportar a violência.
A repetição é uma parte importante do processo de doutrinação. Vez por outra, eles eram informados de que os infiéis devem ser mortos. Para Adel e Asse, os efeitos dos nove meses vivendo sob o medo ainda estão presentes.
Asse, que tinha 9 anos quando foi sequestrado, suprimiu grande parte do que viveu, mas Adel admite que ficou bastante intoxicado: "Eles diziam que eu era muçulmano e que permaneceria assim para sempre. Eles esvaziaram minha memória, para que eu só soubesse do EI e não me lembrasse dos yazidis. E eu não me lembro mais."
Ahmed mantém um hábito que odeia: "Quando estou sozinho, eu recito o Corão. Eu tento esquecer, mas não funciona. Eu realmente quero esquecer."
O aumento do aparecimento de crianças que agem como homens-bomba parece coincidir com a crescente perda de território e combatentes sofrida pelo EI. Fontes militares americanas afirmam que o grupo perdeu 45 mil combatentes em dois anos e ainda tem apenas cerca de 15 mil. A operação para a libertação de bastiões do EI, como Mossul e Raqqa, estão em andamento, e mais de 50% do território dos extremistas no Iraque foram libertados.
Para mascarar a derrota, o EI aumentou seus ataques a bomba usando caminhões. Fotos dos motoristas,  postadas posteriormente, mostram que muitos deles eram adolescentes. Fontes afirma que até 60% dos combatentes EI têm menos de 18 anos. O chefe de polícia de Kirkuk, Sarhad Qadir, acredita que o EI está jogando sua última cartada: "Eles sabem que serão derrotados."

FONTE: CARTA CAPITAL

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