No artigo de Rosane Borges intitulado “Que Crise? Que Jornalismo?", publicado no Blog da Editora Boitempo ela começa comentando o dito de Mario Vargas Llosa “ler um bom jornal é a melhor maneira de começar o dia” e o abalo que ele sentiu ao tentar “entender exatamente o que havia acontecido na Síria de Bashar Al-Assad, em virtude da divulgação, pela imprensa, do uso de armas químicas contra cidadãos inofensivos. Segundo ele, consultou jornais em inglês, italiano e francês sem conseguir obter informações claras e abalizadas. Diante a incapacidade de os jornais noticiarem com precisão e sem prismas ideológicos, desabafa Vargas Llosa:
“Ler vários jornais é a única maneira de saber o quão pouco sérias às vezes são as informações, condicionadas como estão pela ideologia, os medos e preconceitos dos proprietários dos veículos, dos jornalistas e correspondentes. Todo mundo reconhece a importância central que a imprensa tem em uma sociedade democrática, mas provavelmente poucas pessoas alertam que a objetividade informativa existe apenas em raras ocasiões e que, na maior parte das vezes, a informação tem lastro no subjetivismo, pois as convicções políticas, religiosas, culturais, étnicas etc., dos informadores frequentemente deformam sutilmente os fatos que descrevem até mergulhar o leitor em uma grande confusão, ao extremo de às vezes parecer que os noticiários e jornais passaram a ser, também, romances e contos, expressões de ficção. Aqui o escritor ao reclamar de uma questão geopolítica especifica, estende sua reflexão para o papel da imprensa mundial como um todo. Reflexão de ótima qualidade que desvela um problema que parece se agudizou justamente com o advento do neoliberalismo.
Meu foco, no entanto, é outro e diz respeito à primeira fala dele reclamando da perda de um jeito de começar o dia que era comum a toda uma geração pré-internet. Senti esse mesmo abalo ao cancelar minha assinatura do maior jornal da aldeia, que prefiro não revelar seu nome. Abalo que as novas gerações não têm. Mesmo os que leem jornais, além de o lerem no suporte digital, eles não tem o hábito de ler “de cabo a rabo” como frequentemente era comum em nossa geração. Voltando, ler no suporte digital não é a mesma coisa. Aos poucos vou me adaptando a este novo jeito de ler sem, no entanto, deixar de ter saudade daquele “modo de começar o dia”.
O cancelamento de minha assinatura do jornal tem tudo a ver com o que diz Mario Vargas Llosa acerca da perda quase total do sentido maior do jornalismo que é a objetividade dos fatos devido a subjetivismos de toda a ordem, como os por ele relacionados. No entanto, no meu caso, e o de muitos que conheço, a razão tem tudo a ver com a perda desta objetividade, isenção e imparcialidade em função da hegemonia de um paradigma que assumiu uma amplitude que praticamente eclipsou o resto. Estou me referindo aquilo que Ignacio Ramonet, denominou de pensamento único, isto é, a narrativa jornalística capturada pelos (des) valores do Mercado. Não se espere do liberal Mario Vargas Llosa concordância com este entendimento, por razões obvias. Porém, ele, ao descrever o porquê de sua crítica ao jornalismo hoje praticado, acertou no que viu e também no que não viu. Igual ao velho clichê “Mirou no padre. Acertou na igreja”.
Outro famoso foi, no meu entender, mais econômico e certeiro ao analisar a imprensa de seu país. O ator americano Denzel Washington, perplexo e preocupado como todo cidadão americano democrata, ao se deparar na era Trump com o uso e abuso dos chamados “Fake News”, disse “Se você não lê é desinformado; se lê é mal informado” vide link .
No penúltimo parágrafo do artigo citado no início, Rosane Borges arremata que "Donde podemos concluir que a crise é desse modelo de negócio que estruturou a imprensa monopolista e não do jornalismo. Faz-se urgente o exercício do jornalismo para além das fronteiras de um negócio que, para manter-se a todo o custo, atenta contra os princípios da própria imprensa.”
Digo eu, existe um hiato entre o fim de um modelo de jornalismo, pelas razões acima comentadas, e o não advento de outro que o substitua e transcenda suas bases. Até o momento, acredito que a internet não se constituiu como este novo paradigma jornalístico ainda que tenha potencialidade para tal. Enquanto isso, prefiro ficar na condição de desinformado do que mal informado.
Vou me abastecendo através de revistas como CartaCapital , ainda comprometidas caninamente com a verdade dos fatos, como diz Mino Carta, e por via digital do jeito que dá e não do jeito que deveria ser o jornalismo nesta quadra do século XXI. Ciente e solidário com quem “está pagando o pato” por esta crise, em especial, a classe dos jornalistas e, na sequência, todos nós, leitores do tempo pré-internet, saudosos do tempo em que se começava o dia lendo jornal, e os leitores em potencial que são os jovens que ficam a deriva por falta de informação objetiva dos fatos.
FONTE: CARTA CAPITAL