No atual momento histórico que vivenciamos, onde o desvirtuamento de todos os princípios éticos se faz uma constante deplorável em todas as esferas de poder, os atos ímprobos e imorais tornam-se, não raras vezes, a regra, e não exceção, como de fato deveriam ser.
A sociedade atual é fruto de um sistemático conjunto de princípios e normas criadas, em tese, para que a vontade da maioria prevaleça e não a de tiranos e afrontadores da dignidade alheia. A era em que a força bruta prevalecia em detrimento da justiça deveria ter sido esquecida. Contudo, não é isso que vislumbramos nos dias atuais.
Todos os cidadãos que exercem uma função de natureza pública, no sentido mais amplo que o termo ofereça, não podem se afastar de regramentos essenciais, como os previstos em nossa lei fundamental, a Constituição Federal de 1988, que estabelece em seu Art. 37 os princípios basilares que devem ser respeitados por todos os agentes públicos: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Os princípios, embora não possuam força hierárquica superior a de uma lei, servem como seu alicerce primordial, não podendo os atos políticos ou administrativos irem de encontro a estas disposições fundamentais.
O Prefeito, assim como qualquer Chefe do Executivo, não pode utilizar do cargo para impor a sua própria moral, suas próprias convicções em detrimento da coisa pública, agindo de forma imprudente e temerária, passível de gerar danos ao erário.
É princípio de índole Constitucional o da legalidade, sendo o maior direcionador do comportamento do gestor público. Uma Administração que cumpre seus deveres básicos pode ser comparada a raízes fortes, capazes de sustentar a árvore que lhe origina e todas as suas diversas ramificações. Em sentido diverso, uma administração improba/imoral é como uma árvore envenenada, capaz apenas de expelir frutos maculados de podridão.
Assim, o Prefeito apenas poderá cumprir o que determina as normas vigentes, sendo punido de forma severa qualquer ato que atente contra a regra básica que norteia os atos administrativos.
Tanto age na ilegalidade aquele que afronta as leis vigentes como o que agindo dentro de um direito, o excede de forma imprudente e inconsequente, gerando abuso de direito ou desvio de finalidade.
O Prefeito possui sua esfera própria de atribuições, proferindo atos relacionados a sua função como Chefe do Executivo. Contudo, também produz obras de natureza administrativa, ao proferir decisões em processos administrativos, por exemplo; assim como, atos de cunho legislativo, ao propor Medidas Provisórias ou Projetos de Lei que culminem com a criação de cargos.
Quando o gestor municipal age dentro das suas prerrogativas administrativas, ele sujeita-se sem restrição aos ditames da Lei nº 8.429/1992, a usualmente denominada “LIA”, Lei de Improbidade Administrativa.
Destarte, caso o Prefeito profira uma decisão de índole administrativa, como, por exemplo, a demissão de um servidor público, amparada em elementos de perseguição, eivada de vícios como desvio de finalidade, falta de motivação idônea e impessoalidade, estará sujeito a medidas corretivas no âmbito desta legislação. Tal raciocínio pode ser vislumbrado com maestria em julgado oriundo do STJ, da relatoria da Ministra Eliana Calmon (Resp. 1171627).
Um outro exemplo de ato passível de configurar improbidade administrativa seria o Prefeito contratar advogado particular para agir como Procurador Geral do Município, mas utilizando-se do mesmo para defender interesses próprios e não do ente público federado.
Vejamos:
ADMINISTRATIVO. CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO PARTICULAR PARA DEFESA DOS INTERESSES DO MUNICÍPIO. UTILIZAÇÃO DO CAUSÍDICO PARA ATUAR EM AÇÃO DE IMPROBIDADE AJUIZADA CONTRA O PREFEITO. DEFESA DE INTERESSE PESSOAL DO ALCAIDE. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme a jurisprudência desta Corte, configura uso ilícito da máquina pública a utilização de procurador público, ou a contratação de advogado particular, para a defesa de interesse pessoal do agente político, exceto nos casos em que houver convergência com o próprio interesse da Administração. Nesse sentido: REsp 703.953/GO, Rel. Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 03/12/2007, p. 262; AgRg no REsp 681.571/GO, Rel.ª Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma, DJe 29/06/2006, p. 176. 2. No caso em exame, apesar de a contratação do causídico ter ocorrido às expensas do Município, sua atuação profissional se deu exclusivamente na defesa jurídica e pessoal do chefe do Poder Executivo local, em duas ações de improbidade contra ele propostas. 3. Em se tratando de ação civil por improbidade administrativa, a vontade do legislador foi a de proteger a Administração Pública contra condutas inadequadas de seus agentes públicos, cujo contexto conduz à compreensão de que se colocam em disputa interesses nitidamente inconciliáveis. Em contexto desse jaez, não se pode conceber a possibilidade de que uma mesma defesa técnica em juízo possa, a um só tempo, atender simultaneamente ao interesse público da entidade alegadamente lesada e ao interesse pessoal do agente a quem se atribui a ofensa descrita na Lei de Improbidade. 4. Dessa forma, impõe-se o reconhecimento de que os dois réus implicados na presente ação de improbidade (o então Prefeito e o advogado particular contratado pelo Município) incorreram, de forma dolosa, nos atos de improbidade definidos na sentença de primeiro grau, que enquadrou suas condutas, respectivamente, nas hipóteses previstas nos arts. 9º, IV (Prefeito) e 11, I (Advogado), da Lei nº 8.429/92. 5. Recurso especial provido, com a determinação do oportuno retorno dos autos ao Tribunal de origem para que conclua, no seu resíduo, o julgamento das três apelações interpostas pelos litigantes. (REsp 1239153/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. P/ Acórdão Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/10/2016, DJe 29/11/2016).
Ora, se o PGM é um servidor público, ele não pode ser utilizado como se fosse advogado particular do Prefeito. Aliás, os Municípios brasileiros onde a gestão da coisa pública é dotada de maior seriedade, há muito já adotam o entendimento de que o PGM tem que ser servidor concursado, justamente para não ser utilizado para a prática de atos que possam ferir o próprio interesse do Município, tendo em vista que o interesse do ente público federado nem sempre será o do Prefeito. Não vivemos em um estado absolutista, mas sim em uma sociedade democrática.
Os atos de improbidade administrativa que geram enriquecimento ilícito (Art. 9º da LIA) podem ser praticados de forma direta ou indireta. Os de forma indireta são configurados a partir do momento em que o agente público deixa de gastar verbas próprias para auferir uma vantagem indevida. Ora, se o Prefeito utiliza de um servidor público (PGM) para fazer atos que caberiam a um particular, resta latente que o seu patrimônio cresce ilicitamente de forma indireta, pois o valor que pagaria a título de horários a advogado particular está sendo revertido a seu benefício.
O Decreto-Lei nº 201/67 dispõe sobre a responsabilidade dos Prefeitos e Vereadores. Vejamos o que estabelece seu Art. 1º:
Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:(...)
II - utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos. (...)
Por uma simples questão de bom senso, tem-se por imoral todo comportamento realizado sem elementos de ética, razoabilidade e proporcionalidade.
A moralidade administrativa deve sempre ser respeitada e ser o fim primordial visado por aqueles que ocupam alguma função pública. Um ato administrativo pode aparentar todos seus requisitos legais, como ter formalidade ou não aparentar lesividade ao erário, contudo, poderá ser flagrantemente contrário a ética e a probidade, merecendo correção pelos diversos órgãos de controle, como Ministério Público e Tribunal de Contas, por exemplo.
Vejamos um conceito aclarador do nobre doutrinador José Afonso da Silva: “A lei pode ser cumprida moralmente ou imoralmente. Quando sua execução é feita, por exemplo, com intuito de prejudicar alguém deliberadamente, ou com o intuito de favorecer alguém, por certo que se está produzindo um ato formalmente legal, mas materialmente comprometido com a moralidade administrativa.
Pelo que foi exposto, podemos concluir o seguinte: O Prefeito pode cometer atos de improbidade administrativa no que tange a funções administrativas, como proferir decisão em Processo Administrativo com desvio de finalidade e impessoalidade e nos casos em que utiliza-se de mão de obra paga pela municipalidade para defesa de seus próprios interesses.
Estes são apenas dois exemplos que podem acarretar a perda da função pública do chefe do executivo e o ressarcimento integral dos danos causados ao erário.
Carlos Helvecio Leite de Oliveira
FONTE: DIREITONET