Loba malembe, loba malembe. A advogada Sylvie Mutiene, 36, repetiu tantas vezes essa frase para seus dois filhos pequenos, de 4 e 2 anos, durante os 45 dias em que permaneceram no navio, que dois meses depois de desembarcarem no Brasil, eles ainda observavam a orientação da mãe e só falavam com ela aos cochichos. Loba malembe, no idioma Lingala, uma das línguas bantus que, além do francês, é falada na República Democrática do Congo, quer dizer "fala baixinho".
O pedido, sempre sussurrado, tinha como predicado o medo. Sylvie viajava clandestinamente num cargueiro e dizia aos filhos que eles poderiam ser jogados ao mar caso fossem descobertos. Não era exagero de mãe e pelo menos dois casos no Brasil sustentam seu temor. Em 2003, por exemplo, seis homens que vinham escondidos da Guiné foram jogados ao mar na costa pernambucana pela tripulação de um navio chinês. Todos foram salvos por outro barco. Em 2012, um navio de bandeira maltesa ficou detido no porto de Paranaguá, no Paraná, porque a tripulação lançou ao mar um jovem camaronês descoberto na embarcação. Resgatado por outro navio, o rapaz denunciou o caso. Para fugir dos homens do presidente congolês, Joseph Kabila, Sylvie decidiu correr o risco.
No poder desde 2001, Kabila, que deveria ter deixado a presidência em dezembro de 2016, fez sucessivas manobras para permanecer no cargo, inclusive uma frustrada tentativa de alterar a constituição para garantir-lhe um terceiro mandato. A população não aceitou e foi às ruas protestar pela sua saída e por novas eleições. Entre os manifestantes frequentes estava Jean De Dieu, diretor de finanças de uma empresa de serviços financeiros e marido de Sylvie. "Ele sabia que era perigoso, mas sempre me dizia 'se você não cuida da política a política cuida de você' e ia participar dos protestos", conta.
Numa manifestação contra a ida do então presidente da França, François Hollande, à capital Kinshasa, para participar da 14a Reunião da Francofonia, que reúne 77 países de língua francesa, em outubro 2012, De Dieu caiu nas mãos da polícia e a vida de Sylvie começou a desmoronar. A oposição ao presidente congolês via na realização do encontro e na ida de Hollande ao país uma oportunidade para Kabila se fortalecer politicamente e foi às ruas protestar.
Nenhum dos lados conquistou plenamente seus objetivos. Entre mortes, torturas e outros abusos por parte do governo, o evento acabou acontecendo, mas Kabila teve que ouvir um discurso de Hollande defendendo a democracia, as liberdades individuais e o direito de um povo eleger seus dirigentes situação e dizer que ainda havia realidades inaceitáveis no Congo.
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