domingo, 2 de julho de 2017

ZANIN: "JULGAR NÃO É UM ATO DE FÉ!"

Cristiano Zanin Marins
O advogado do ex-presidente Lula concedeu entrevista à revista Carta Capital, logo abaixo reproduzimos o teor desta. Acompanhe:

Após condenar o ex-ministro Antonio Palocci a 12 anos de prisão, Sergio Moro agora se concentra na sentença de Lula no caso do triplex do Guarujá. Se o juiz optar pela condenação do ex-presidente, o fará com base na tese de ocultação de patrimônio. Para Cristiano Zanin Martins, advogado do líder petista, uma possível condenação de seu cliente atende a finalidades políticas. Cada dia fica mais evidente, afirma, que Lula é vítima de lawfare, o uso de um processo legal para constranger ou prejudicar determinado alvo.
CartaCapital: Alguns veículos de comunicação anteciparam a condenação do ex-presidente Lula. O que dizer a respeito?
Cristiano Zanin Marins: Não dá para saber se é mera especulação ou fruto de um vazamento dos próprios órgãos encarregados da persecução penal. Seja qual for a hipótese, é incompatível com a garantia da presunção de inocência. Se for fruto de vazamento, é ainda mais grave, pois o julgamento tem de ocorrer dentro do devido processo legal.
CC: Lula é acusado de ser o proprietário do triplex no Guarujá, suposto pagamento de uma propina da OAS por contratos com a Petrobras. Em algum momento o ex-presidente tomou posse ou usufruiu do imóvel?
CZM: Nenhuma das 73 testemunhas ouvidas ao longo das audiências confirmou a tese do Ministério Público. Não confirmaram que o ex-presidente tenha qualquer relação com os três contratos firmados pela OAS com a Petrobras, tampouco que tenha a propriedade do tal triplex do Guarujá. Ao contrário, emerge da oitiva das testemunhas a prova de que Lula jamais teve as chaves ou fez usufruto do imóvel. Nem sequer passou uma noite lá.
CC: Segundo o zelador do prédio, Lula e a ex-primeira-dama Marisa Letícia portavam-se como proprietários do imóvel.
CZM: O testemunho desse zelador é comprometido. Ele entrou para a política usando o caso como mote de sua campanha eleitoral. Candidatou-se a vereador com o nome “Afonso Zelador do Triplex”. Ele não deu nenhum dado objetivo, nenhuma prova que pudesse vincular o ex-presidente ao apartamento. Apenas emitiu um juízo de opinião, carregado de subjetivismo. Jamais disse: “Lula tem as chaves, a posse do imóvel”.
Quando perguntei a esse zelador com quem ele tratava de assuntos relacionados ao triplex, ele foi claro ao dizer que era com a OAS. O dado objetivo que se extrai do depoimento é de que a relação com o zelador sobre o apartamento é direta com a empreiteira, jamais com a família do ex-presidente.
CC: A defesa sustenta que o triplex pertence à OAS e jamais poderia ser repassado à família de Lula, uma vez que o imóvel foi usado como garantia de uma operação de crédito da empreiteira. O senhor pode explicar melhor?
CZM: Conseguimos obter, de forma autônoma, no fim da ação, documentos que comprovam que o imóvel não só pertence à OAS como a empresa o usou, em companhia dos demais apartamentos do condomínio Solaris, como garantia em uma operação de crédito firmada com a Caixa Econômica Federal.
Houve a cessão de 100% dos direitos econômico-financeiros do triplex. Os documentos desse contrato foram entregues à Junta Comercial pelo próprio Léo Pinheiro. Temos a assinatura dele na papelada. Não é tudo. A empreiteira está em processo de recuperação judicial e, na avaliação de bens e ativos da empresa, o Solaris figura com o valor zerado. Segundo a consultoria responsável por essa avaliação, isso se deu porque os recursos do empreendimento “serão utilizados para a amortização da dívida, devido ao ônus ao qual o projeto está atrelado”.
CC: Isso significa que a OAS não poderia vender o imóvel?
CZM: Sim, poderia. Para o apartamento ser vendido ou alienado a alguém, seria necessário a OAS comunicar à Caixa Econômica Federal formalmente. E o banco deveria receber 100% do valor de venda do imóvel. Sem esse procedimento, o triplex jamais seria alienado. Tudo comprovado documentalmente.
Tivemos de buscar esses contratos de forma autônoma, pois havíamos pedido diversas vezes a realização de diligências ao longo do processo, mas o juiz Sergio Moro negou as solicitações. Alguns documentos mais relevantes para mostrar essa operação estavam registrados em cartórios de Salvador. Foi um périplo para encontrá-los. De toda forma, eles derrubam por completo a versão da acusação e também o depoimento prestado por Léo Pinheiro em juízo.
CC: O delator parece ter mudado a versão dos fatos algumas vezes, não?
CZM: A própria mídia relatou.  Desde 2015, Léo Pinheiro tentava fazer um acordo de colaboração com o Ministério Público Federal, mas os procuradores condicionavam o acordo a alguma referência ao ex-presidente Lula. Chegamos a solicitar que a Procuradoria-Geral da República apurasse esses fatos, sem sucesso. De toda forma, durante o interrogatório, Pinheiro reconheceu ter mudado a versão dos fatos e, naquele momento, admitiu negociar um novo acordo de cooperação.
CC: O delator apresentou documentos para comprovar suas declarações?
CZM: Apenas recibos de pedágio e e-mails sem qualquer potencial de servir como prova. Repare: ele tem como provar a veracidade de seu depoimento, basta mostrar o comprovante do depósito do valor do triplex naquela conta indicada pela Caixa Econômica Federal, e isso ele não fez. Léo Pinheiro diz ter feito a reserva do imóvel para a família do ex-presidente em 2009. Cita conversas com Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, e outros personagens, mas todos negam.
CC: O ano de 2009 é importante para a acusação, pois o ex-presidente Lula ainda estava no poder. Quando ele realmente esteve no apartamento?
CZM: O prédio ficou pronto em 2013. Dona Marisa tinha comprado, em 2005, uma cota da Bancoop naquele empreendimento. O casal visitou o imóvel em 2014 para verificar se tinha interesse na compra do apartamento. O ex-presidente esteve no imóvel uma única vez, no começo daquele ano. Dona Marisa voltou em agosto, para uma segunda visita, mas negou o interesse de comprá-lo. Por isso, pediu o reembolso do investimento feito na cota inicial da Bancoop.
CC: A acusação fala em ocultação de patrimônio, daí a razão de não haver documentos em nome de Lula e seus familiares.
CZM: Não se pode cogitar uma ocultação de patrimônio quando não há sinais de que o acusado de alguma forma usufruiu daquele bem. O Ministério Público levantou um castelo de hipóteses não comprovadas. Em vez de indicar provas, amparam-se em teses do procurador Deltan Dallagnol, algumas defendidas em livro, no qual ele diz textualmente que “provar é argumentar” e “julgar é um ato de fé”. Não podemos admitir a utilização dessas teses, inconstitucionais, incompatíveis com a presunção de inocência, com o devido processo legal, para se impor uma condenação a Lula ou a qualquer outro cidadão.
CC: Por que a defesa diz que Lula é vítima de lawfare?
CZM: Desde março de 2016, o ex-presidente tem sido vítima de numerosas e grosseiras violações a suas garantias fundamentais. Isso ocorreu sem que houvesse qualquer indício mínimo da prática de um ato ilícito. Houve uma devassa na sua vida e na de seus familiares. Nada foi encontrado. Mesmo assim, o MP construiu uma denúncia com base meramente especulativa e levou adiante uma acusação sem nenhuma sustentação. Houve, portanto, a utilização de procedimentos jurídicos buscando, na verdade, uma finalidade política.
CC: E o transporte e manutenção do acervo presidencial?
CZM: Segundo a acusação, o contrato com a transportadora, em vez de fazer referência ao acervo presidencial, mencionava bens da OAS. O dono da Granero, empresa responsável pelo transporte e manutenção do acervo, esclareceu que aquilo foi um erro da empresa, que também tinha muitos contratos com a OAS. Segundo ponto: não há nada de ilícito no fato de uma empresa ajudar na manutenção do acervo presidencial. Embora ele seja uma propriedade privada, a legislação o considera um patrimônio cultural brasileiro e, inclusive, incentiva instituições públicas e privadas a apoiar a conservação desse acervo, que integra a própria história brasileira.
CC: O TRF da 4ª Região acabou de absolver o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, de uma condenação de 15 anos e 4 meses de reclusão, sob a justificativa de que não havia provas suficientes, apenas o relato de delatores. Como o senhor avalia essa decisão?
CZM: Não deixa de ser um alento. Havia grande preocupação em virtude de uma decisão anterior, do próprio TRF da 4ª Região, que dizia que a Lava Jato não precisava seguir as regras gerais aplicadas a todos os processos por se tratar de uma “operação excepcional”. Na prática, isso significa que a Lava Jato não precisava seguir a lei. É bom agora a Corte reconhecer que não basta a palavra de um delator para condenar um réu. É preciso apresentar provas. 

FONTE:  CARTA CAPITAL

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