sexta-feira, 28 de abril de 2017

IMPROBIDADE ADMNISTRATIVA

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O Cenário de Construção da Improbidade Administrativa 
Autonomia constitucional e definição de improbidade administrativa

Autonomia constitucional e definição de improbidade administrativa Costumeiramente se assevera, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, que são três as instâncias de responsabilidade jurídica contempladas na Constituição Federal e no ordenamento jurídico em geral: civil, criminal e administrativa. 

A responsabilidade civil, clássica por sua origem junto à formação do próprio Direito, serve-nos ainda, a despeito de suas particularidades por se referir a situações jurídicas de direito privado, enquanto teoria geral de responsabilidade ao decompor os elementos que devem ser considerados em qualquer situação jurídica que envolva a possibilidade de responsabilização de um sujeito: comportamento (objetivo ou subjetivo, e nesta hipótese, por dolo ou culpa), nexo causal e dano. 

A responsabilidade criminal erige-se com o Direito Penal e reconhece-se nela uma estrutura metodológica independente na qual se enfatiza a tipicidade dos comportamentos que podem levar às penas, e muitas destas aptas a cercear um dos bens mais caros ao ser humano, a liberdade. 

A responsabilidade administrativa refere-se às situações jurídico-administrativas, é dizer, vínculos entre o cidadão e o Estado, ora em relação de sujeição geral (todos e quaisquer cidadãos encontram-se indistinta e potencialmente submetidos à situação jurídica disciplinada em lei, a exemplo do Código de Trânsito Brasileiro e de suas regras sobre a condução de veículos com as respectivas infrações e consequentes sanções administrativas), ora em relação de sujeição especial (vínculos nos quais apenas alguns cidadãos submetem-se, espontânea ou forçosamente, a exemplo do estatuto jurídico de certa categoria de servidores públicos, ou o regimento interno de uma universidade pública, ou de um hospital público ou mesmo as normas que regem a rotina dentro de uma unidade prisional). 

Correlato então ao tema da responsabilidade jurídica e às suas espécies é o Direito Sancionador, isto é, a sistematização de conceitos, institutos, categorias, de um regime jurídico próprio de estipulação das infrações (tipos infracionais) e respectivas sanções (penas). 

No Direito Privado em geral (Direito Civil, Código de Defesa do Consumidor e outros diplomas) perquire-se, por exemplo, se o dano moral tem natureza jurídica de “pena”, quais são os limites possíveis, no âmbito da responsabilidade contratual, à previsão (tipificação) de infrações contratuais etc.Igualmente no Direito Penal, desenvolvem-se elaboradas teorias sobre a descrição de fatos-tipos e as consequentes sanções. 

No Direito Administrativo, por sua vez, há alguns anos assomou-se o Direito Sancionador num capítulo independente de modo a ser possível melhor compreendê-lo e sistematizá-lo nas relações de direito público e, não obstante alguma pontual divergência existente, a doutrina em geral sustenta que um elemento indispensável à qualificação de infrações e sanções administrativas remete-se ao sujeito que age, a Administração Pública. Em outros termos, trata-se de infrações e sanções administrativas se é a própria Administração Pública no exercício de função administrativa quem atua. 

Neste contexto se percebe alguma aparente dificuldade em se identificar qual área do Direito deve-se ajustar – logo, assimilar-se ao regime jurídico – a responsabilidade do agente público que comete atos de improbidade administrativa. 

Pois se evidencia a inadequação de dizer-se que poderia ser a responsabilidade civil na medida em que a pessoa a eventualmente ser responsabilizada não age em nome próprio, não se encontra numa relação entre particulares, mas atua em cumprimento de uma missão pública porque é investido em competências previstas em lei à satisfação do interesse público. 

Do mesmo modo, seria inapropriado se indistintamente fosse aplicado o Direito Penal a situações que não encontram compatibilidade com a descrição de crimes. Em exemplo a esclarecer o que se afirma considere-se que não há qualquer semelhança na descrição dos fatos-tipos de improbidade em comparação com os tipos penais. 

Por último, há dificuldade de simplesmente afirmar que a responsabilidade por improbidade administrativa é mera categoria jurídica do Direito Administrativo Sancionador porque, como acima foi adiantado, reconhece-se por infração e sanção administrativa aquelas que são apuradas e aplicadas no exercício de função administrativa, e não, tal como ocorre com a improbidade administrativa, em processo judicial. 

Mas o desconforto inicial na própria alocação da teoria da improbidade administrativa (se responsabilidade civil, criminal ou administrativa) remete-nos além das assertivas tradicionais sobre as três instâncias de responsabilidade jurídica de modo a fazer perceber que a inequívoca matriz das esferas de responsabilização não pode ser outra a não ser a própria Constituição Federal de 1988. Dela partimos para realçar que entendemos que na contemporaneidade, diante então da realidade jurídico-positiva que se apresenta em nosso País, é insuficiente a reprodução da clássica divisão em três das responsabilidades jurídico-constitucionais. 

Isto porque a responsabilidade por improbidade administrativa, em leitura tópica e sistemática da Constituição Federal, encontra sua própria autonomia. 

Neste sentido, na doutrina, José Roberto Pimenta Oliveira expressamente defende que a improbidade administrativa enquanto esfera de responsabilidade jurídica apresenta inequívoca autonomia constitucional, o que em tudo se reflete na forma de tratamento do tema ao se aplicar a Lei de Improbidade Administrativa (LIA), a Lei n° 8.429/92. 

Considerem-se alguns exemplos: a) a tipificação dos atos de improbidade administrativa não ocorre nos moldes do Direito Penal, pois a estrita tipicidade exigida (a descrição minudente do fato apto a qualificar-se como tipo penal) não poderia sequer ser logicamente exigível diante de tão múltiplas e diversificadas formas de expressar-se a função administrativa. Portanto, apesar de críticas que são feitas, e não podem ser desprezadas, a respeito do excesso de abertura e da ambiguidade de alguns atos de improbidade administrativa, de todo modo não seria correto exigir que houvesse, a exemplo do crime, o mesmo detalhamento do comportamento fático passível de tipicidade; b) na dosimetria da pena a sua individualização, direito fundamental previsto no art. 5º, XLVI, da Constituição Federal, deve ainda reputar que o sujeito agiu, ao cometer a improbidade administrativa, investido em função pública, ou seja, enquanto alguém a quem foram confiados deveres e poderes para bem cumprir com os interesses da coletividade, e não os seus particulares; c) na condução do processo judicial que apura a eventual ocorrência de atos de improbidade administrativa, não obstante a indispensável aferição dos elementos subjetivos (dolo e culpa – esta última quando admitida pelo tipo infracional, o que ocorre com o art. 10 da Lei 8.429/92), a identificação do ilícito administrativo em si, em particular do desvio de finalidade, afere-se objetivamente, pois o descompasso da prática do ato é conclusão que se encontra por sua desconformidade não com o móvel íntimo do sujeito, mas com o que o ordenamento jurídico dispõe enquanto comportamento exigido. 

Mas além dos breves exemplos mencionados, e de volta à autonomia da improbidade administrativa enquanto esfera própria de responsabilidade constitucional – ao lado, e não dentro das demais instâncias de responsabilidade –, este pressuposto do qual partimos considera, como acima adiantamos, a própria Constituição Federal enquanto matriz das responsabilidades jurídicas. 

Na Constituição Federal de 1988 a expressão improbidade administrativa aparece, no corpo do texto principal (sem considerar o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), duas vezes. 

A primeira vez no art. 15 que dispõe sobre a cassação de direitos políticos cuja perda ou suspensão pode dar-se, nos termos do inciso V, por prática de ato de improbidade administrativa. A segunda, e mais importante, por ser realmente a norma da qual se erige esta esfera de responsabilização, encontra-se no art. 37, § 4º, ao dispor que “Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”. 

Por evidente, a autonomia constitucional da responsabilidade por improbidade administrativa não se encerra nesses artigos, mas deles se inicia, edifica-se, em leitura tópica e sistemática da Constituição Federal. 

Primeiro, em razão do art. 1º da Constituição Federal, texto normativo que anuncia os princípios fundamentais, de pronto afirmar ser o Brasil uma República. Pois ao se assegurar o princípio republicano enquanto fundamento do sistema constitucional enfatiza-se a res publica, isto é, que o agir em exercício de função pública é uma atuação em nome da sociedade – e não por interesse pessoal –, o que por consequência significa dizer que há ao menos três deveres que se imbricam ao exercício de qualquer missão pública, seja na condição de agente ou mesmo de particular em parceria com o Estado, três deveres que naturalmente decorrem do princípio republicano: 
a) Transparência: se há poderes públicos enfeixados em cargos ou empregos públicos, ou delegados a particulares que se tornam colaboradores e parceiros do Estado, de toda sorte são instrumentos conferidos a quem investido na função para a realização do interesse da sociedade, e se há recursos públicos (capital, empréstimo de bens, cessão de servidores públicos) então é preciso esclarecer de que modo são utilizados. 
b) Prestação de contas: se qualquer conduta no âmbito da função pública representa, em última análise, um agir em nome da sociedade, então se deve dizer o que se fez, de qual modo e para qual fim. Um corolário da própria transparência, então, pois ao se tornarem efetivamente públicas as atividades que envolvem recursos do Estado o escopo não poderia ser outro senão as contas serem expostas à sociedade. 
c) Responsabilidade: a transparência e a prestação de contas têm por mote a titularidade do poder, e o povo é o seu soberano titular (art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal), então se deve responder pela eventual violação da confiança que foi depositada e não correspondida. 

O princípio republicano então se difunde para concretizar-se em particular direito fundamental do cidadão de exigir a proteção, por ação popular, contra a prática de ato lesivo ao patrimônio público, o que nele se devem compreender os patrimônios moral, histórico, cultural e ainda o meio ambiente (art. 5º, LXXIII). 

E ainda o princípio republicano orienta a hermenêutica constitucional junto aos princípios que fundam o regime jurídico-administrativo no art. 37, caput, da Constituição Federal ao se imporem legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência na condição de normas estruturantes à realização do interesse público. 

Por estas razões, não é tanto pela expressão “improbidade administrativa” no texto constitucional (art. 15, V, e art. 37, § 4º), mas antes e principalmente por ser a responsabilidade uma das facetas do princípio republicano (art. 1º, caput), pressuposto fundador do nosso Estado Democrático e Social de Direito, eixo metodológico do próprio regime jurídico-administrativo (art. 37), que na atualidade, em pleno século XXI e em análise da realidade posta em nossa ordem jurídica, entendemos ter a improbidade administrativa verdadeira autonomia constitucional enquanto instância de responsabilidade. 

A definição de improbidade administrativa deve então partir destas considerações. 
De acordo com o dicionário de vocabulário jurídico de De Plácido e Silva, probo e probidade advêm do latim probus, probitas: o que é reto, leal, justo, honesto, mas se refere também à maneira criteriosa de proceder . Derivado de improbitas significa também má qualidade, imoralidade, malícia, desonestidade, má fama, incorreção, má conduta, má índole, mau caráter. Ímprobo, ainda segundo este dicionário, é o mau, perverso, corrupto, devasso, desonesto, falso, enganador . Do dicionário etimológico da língua portuguesa de Antônio Geraldo da Cunha probo refere-se a quem apresenta caráter íntegro, o que significa dizer, em sentido inverso, que ímprobo é quem falta com a integridade. Neste sentido, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves destacam ainda uma origem mais remota: probus quer dizer o que brota bem (pro+bho – da raiz bhu, nascer, brotar). 

Portanto, “probidade” significa, inicialmente, o comportamento honesto, íntegro, leal, mas ainda quer dizer, em sentidos secundários, o que brota bem, quem observa a maneira criteriosa de proceder. 

Improbidade administrativa, enfim, define-se como o comportamento que viola a honestidade e a lealdade esperadas no trato da coisa púbica, seja na condição de agente público ou de parceiro privado. Improbidade administrativa representa a desconsideração da lealdade objetivamente assumida por quem lida com bens e poderes cujo titular último é o povo. 

Sujeitos. Definição de agente público (agentes políticos e outros) e demais responsáveis jurídicos (convênio, consórcio, terceiro setor e parceiros privados).                                                              

Das tantas classificações que se apresentam na doutrina acerca dos agentes públicos, uma delas, a de Celso Antônio Bandeira de Mello , cumpre com o nosso propósito de identificarmos quem são os primeiros responsáveis por zelar pela coisa pública. 

Nos limites do quanto é necessário a este estudo pode-se dizer que os agentes públicos são o gênero que se qualifica pelo desempenho de qualquer função estatal. Ou dito de outro modo, enquanto um sujeito exerce uma função estatal ele deve ser considerado agente público. Pouco importa se se encontra lotado junto à Administração Direta ou na Administração Indireta (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista), ou mesmo se é um particular em colaboração com o Estado em razão de específico vínculo travado (tal como acontece com os concessionários e os permissionários de serviço público). Necessário, em última análise, à qualificação de agente público esses dois requisitos: a) objetivo: a natureza estatal da atividade desempenhada; b) subjetivo: a investidura nesta atividade. 

Portanto, agentes públicos são o gênero no qual se encontram as seguintes espécies: 
a) Agentes políticos: são os titulares de cargos estruturais à organização política do País, o vínculo que entretêm com o Estado é de natureza política, é dizer, não profissional, submetem-se ao regime estatutário definido primordialmente pela própria Constituição. São exemplos: Chefes do Executivo, Ministros e Secretários, Senadores, Deputados e Vereadores. 
b) Servidores estatais: são tanto os servidores públicos quanto os servidores de pessoas governamentais com personalidade jurídica de direito privado (como é o caso das empresas públicas e das sociedades de economia mista). O vínculo com o Estado tem natureza profissional. 
Os servidores públicos, por sua vez, compreendem duas espécies: b.1) servidores titulares de cargos públicos; b.2) empregados públicos; 
c) particulares em colaboração com o Poder Público: são todos os que firmam com o Estado um vínculo jurídico do qual se legitima a atuação em sua representação, pouco importa se por breve tempo ou em situação de estabilidade. São exemplos os requisitados a exercerem alguma atividade pública, tal como os mesários e os convocados ao serviço militar, além de notários, tabeliães e registradores, e ainda as pessoas jurídicas de direito privado que realizam o serviço público por delegação, o que é o caso dos concessionários e permissionários de serviços públicos e dos que firmam uma parceria público-privada. 

Ao se prestigiar o princípio republicano, e em especial a responsabilidade que dele se decorre, o art. 1º da Lei 8.429/92 estendeu a qualificação do ato de improbidade administrativa a qualquer agente público que aja contra o patrimônio público em seu sentido amplo, o que se compreende, como acima foi visto, a moralidade administrativa e outros valores consagrados constitucionalmente como indispensáveis ao interesse da coletividade e respeito ao povo enquanto titular do poder. 

O art. 2º da Lei 8.429/92 evidencia o sentido amplo de agente público nos termos expostos acima de modo a abarcar não apenas os servidores estatais (titulares de cargos públicos e empregos públicos), mas ainda os agentes públicos e mesmo os particulares em colaboração com o Estado.

O art. 3° da Lei 8.429/92 expande a responsabilização a qualquer sujeito que “(...) induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (...)”, o que ainda abarca, além de alguém em simples conluio com um agente público, qualquer outra pessoa que se valha de recursos públicos (capital, bens ou a simples cessão de servidores), tal qual acontece com as entidades do denominado Terceiro Setor. 

Em suma, além dos agentes públicos qualquer outra pessoa, a qual título for, que com o Estado estabeleça um vínculo no qual lhe seja disponibilizado recursos financeiros, ou o uso privativo de bens públicos (a exemplo da concessão de uso de bem público), ou mesmo servidores públicos lhe sejam cedidos (como pode acontecer com as Organizações Sociais), pode responder por improbidade administrativa, mas desde que se encontre em concurso (por induzir, concorrer ou se beneficiar do ato de improbidade administrativa) com um agente público. 

Portanto, convênios e consórcios, ou as entidades do denominado Terceiro Setor (Organizações Sociais e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público), em qualquer relação jurídica com o Estado, apresente o vínculo um caráter negocial, ou seja, considerado mero ajuste de interesses, pouco importa o título jurídico que qualifique a parceria, sempre que se fizer presente a fruição de recursos públicos, todos os envolvidos, são igualmente responsáveis pela gestão dos bens e valores republicanos. 

FONTE: CNJ

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